Estudo indica estratégias que melhoram o setor agrícola diante das mudanças climáticas

23 de setembro de 2014


por Elaine Nascimento

Ocupando ao mesmo tempo o papel de vítima e vilã, a agricultura precisa se adaptar às mudanças climáticas e também mitigar os prejuízos que provoca ao meio ambiente. Por isso, o grupo de pesquisa da UFV “Economia dos Recursos Naturais e Ambientais” investiga estratégias que podem ser adotadas no setor e que resultam em ganhos econômicos e ambientais. De acordo com os estudos, irrigação, melhoramento genético de plantas e integração lavoura-pecuária-floresta são algumas das técnicas que podem diminuir a vulnerabilidade do setor agrícola e tornar os agricultores brasileiros menos expostos às mudanças climáticas.

Grupo de pesquisa Economia dos Recursos Naturais e Ambientais

O professor do Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada, Dênis Antônio da Cunha, lidera o grupo de pesquisa que envolve as áreas de economia, agronomia, biologia e meteorologia. Ele afirma que “a agricultura é o setor mais vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. A produção agrícola depende diretamente de condições ambientais adequadas. Mas além de sofrer com as alterações, a agricultura também causa mudanças no clima ao emitir gases de efeito estufa. O Brasil é um dos grandes responsáveis por alimentar a crescente população mundial. Portanto, é preciso adotar práticas que aumentem a resiliência do produtor, e é urgente que os sistemas se intensifiquem, produzindo mais alimentos só que em bases sustentáveis”.

Nesse sentido, uma série de medidas poderia ser adotada, desde as mais simples como alterar datas de plantio e colheita, até técnicas mais avançadas. Inicialmente, a equipe concentrou os estudos em duas medidas: irrigação e melhoramento genético de plantas. Com base nos cenários delineados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os pesquisadores da UFV simulam o crescimento econômico futuro do setor agrícola no Brasil considerando a adoção de possíveis medidas adaptativas.

Para os estudos sobre irrigação, desenvolvidos em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o grupo contou com o financiamento do Latin American and Caribbean Environmental Economics Program (LACEEP). O professor Dênis informa que, apesar de ter apresentado crescimento nos últimos anos, o uso de irrigação no Brasil ainda é baixo, menos de 10% da área plantada no país.

De acordo com os resultados da pesquisa, que correspondem ao valor agregado para todo o Brasil, nos próximos 40 anos, a produção de sequeiro poderá sofrer perdas de rendimentos que variam de 6,5 a 10,5% em relação à produção atual. Ao passo que se o país ampliar a irrigação poderá obter aumento de lucratividade na ordem de 3,5 a 5,5% nos próximos 40 anos. O pesquisador ressalta “que não se trata de alarmismo. Mas a situação é preocupante já que a agricultura é um dos setores que mais contribuem para a geração de renda no Brasil”.

Apesar de ter espaço para expansão e ser lucrativa para o setor, a irrigação é uma medida conflitante. O professor Dênis explica que “embora o aumento do uso de irrigação diminua a vulnerabilidade na agricultura, os estudos indicam que a probabilidade dos produtores adotarem essa medida nos próximos anos é decrescente, devido à provável redução da disponibilidade hídrica. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que se não manejada adequadamente, a irrigação pode causar sérios prejuízos, como salinização do solo, contaminação dos recursos hídricos e redução da disponibilidade de água para outras atividades”.

Os pesquisadores apostam em outras medidas para suprir essa lacuna, como o uso de sementes geneticamente modificadas e cultivares resistentes ao estresse hídrico e/ou térmico. Os estudos revelam que se o melhoramento genético for amplamente empregado, até 2039, a produção agrícola brasileira poderá apresentar aumento na lucratividade de até 12,7% em relação ao valor da produção atual.

Mais ganhos econômicos, menos prejuízos ambientais

Equipe do professor Dênis Antônio da Cunha

No tocante à mitigação das emissões de gases de efeito estufa pelo setor agrícola, o grupo agora pesquisa sobre sistemas agroflorestais (SAF’s), uma prática de produção sustentável  e diversificada, que integra lavoura, pecuária e floresta. Os SAF’s, além de possibilitar a fixação de carbono e nitrogênio e, assim, ajudar na redução das emissões de gases de efeito estufa, podem melhorar a produção de alimentos a nível local, criando impactos positivos para a segurança alimentar.

O estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (FAPEMIG), ainda não finalizou os cenários de desempenho econômico futuro, mas o pesquisador da UFV destaca que em todas as simulações em que há adaptação espera-se ganhos para os produtores. “A adaptação é necessária. Perda de produtividade gera aumento de preços, afetando principalmente as pessoas mais pobres que gastam a maior parte da sua renda com alimentos. Perde o agricultor e perde o consumidor de gêneros alimentícios” – explica.

O professor Dênis alerta que não basta apenas identificar boas medidas de adaptação, é necessário incentivo governamental para aplicá-las. “Você sabe que a medida é custo efetiva. Mas, ao mesmo tempo, boa parte dos agricultores não tem acesso a ela. É preciso ter políticas de crédito que auxiliem o produtor a arcar com os custos da adaptação e ter um amplo trabalho de extensão rural que leve conhecimento técnico aos produtores. O treinamento visando o uso adequado da terra é fundamental para gerar bem estar econômico sem gerar prejuízos ambientais”.

Na tentativa de compreender como os produtores rurais percebem as mudanças climáticas, a equipe da UFV iniciou uma nova linha de investigação: a percepção ambiental. Com projetos financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela FAPEMIG, a equipe vai a campo entrevistar produtores rurais em diferentes regiões do Brasil para conhecer a realidade de cada uma delas e entender  de fato como os agricultores estão lidando com as mudanças climáticas. Contando com a parceira da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e da Embrapa Semi-Árido, a pesquisa começou na bacia hidrográfica do Rio das Contas, no estado da Bahia. Na sequência, chegará aos cafeicultores da Zona da Mata mineira.

Após conhecer a realidade local de cada uma das regiões produtoras, o próximo passo será analisar a política brasileira de mudanças climáticas, para verificar se as medidas de mitigação propostas tornarão os produtores menos vulneráveis em termos de aumento da produtividade e lucratividade. Essa etapa do trabalho está prevista para o próximo ano e será desenvolvida em parceria com o Instituto Potsdam para Pesquisas de Impacto Climático (PIK), da Alemanha.

Para saber mais sobre alguns resultados das pesquisas, leia o artigo publicado na revista Environment and Development Economics.