16 de maio de 2017
Uma pesquisa coordenada pela professora Monique Renon Eller, do Departamento de Tecnologia de Alimentos, está caminhando para acrescentar mais um fato à história do hidromel, considerada a bebida alcoólica mais antiga da humanidade. Embora bastante consumida na Europa – onde é normalmente comercializada como sua variante, o melomel, em função da adição de frutas -, esta bebida, criada a partir da fermentação de mel e água, ainda é desconhecida de grande parte da população brasileira. Sua produção é pequena e bastante artesanal, sem referências formais de qualidade para a sua produção.
O que os pesquisadores da UFV desejam é reverter esse quadro e permitir que o estudo que vêm desenvolvendo seja uma referência para a criação de uma identidade do hidromel brasileiro, assim como aconteceu, por exemplo, com a cachaça, que, a partir da ciência, profissionalizou o seu processo produtivo. Um passo para essa identidade foi dado pelo grupo com a fabricação de um fermento específico para o hidromel, até então produzido com leveduras vinícolas, cervejeiras ou de panificação.
Para a criação desse fermento, foram utilizados, principalmente, produtos de abelhas sem ferrão, devido ao tipo de fermentação que ocorre no pólen delas. “Selecionamos pólen e mel”, conta Monique Eller. “Pegamos as amostras e fizemos o screaning para microrganismos que fossem capazes de fermentar, principalmente, visando às bebidas alcoólicas, dentro das características de leveduras que conhecemos como aptas para serem utilizadas como fermentos. Dentre centenas, selecionamos 23 leveduras que testamos para saber quais seriam mais capazes de se desenvolver, por exemplo, sob altas concentrações de açúcares, etanol e sulfito, situações de estresse características da produção de bebidas”. Ao final, os pesquisadores escolheram três leveduras que, além de outros aspectos positivos, resultaram em hidroméis com excelente aceitação em teste sensorial. A equipe, agora, está trabalhando a padronização da produção da bebida com essas leveduras e fazendo uma pesquisa sobre as fontes de nitrogênio ideais para gerar hidroméis mais agradáveis, sensorialmente.
Tecnologia
O estudo, que começou em 2013, no Laboratório de Processos Bioquímicos e Fermentativos do Departamento de Tecnologia de Alimentos, tem a participação dos professores da UFV Weyder Santana (Departamento de Entomologia), Luciano Gomes Fietto (Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular), Paulo Henrique Alves (Departamento de Tecnologia de Alimentos) e da professora do Instituto Federal do Ceará Mayara Salgado, doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade, além de bolsistas de iniciação científica, mestrado e doutorado.
Os quase quatro anos de pesquisa resultaram no desenvolvimento de uma tecnologia de produção, e parte dela já vem sendo adotada por produtores de hidromel em Minas Gerais. Além disso, o estudo gerará dois processos de patentes que poderão ser submetidos ainda este ano ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Um deles é sobre a composição do fermento e o outro sobre a metodologia de produção do hidromel.
De acordo com Monique Eller, todas as informações levantadas pelos pesquisadores são novas para a comunidade científico-acadêmica. Graças ao estudo, hoje é possível saber, por exemplo, como as leveduras trabalham nos componentes do mel e como eles se transformam para gerar os compostos sensoriais. A professora lembra que a escassez de uma levedura específica para o hidromel faz com que cada produtor use uma diferente. Por isso, as informações ficam desencontradas: “nós não tínhamos fermentos disponíveis e nem temos processos padronizados para hidromel no Brasil. Queremos fazer o trabalho completo. A expectativa é de que as pessoas tenham estas informações e melhorem sempre um produto nacional.”
Além da ausência de padrão na produção do hidromel, outra razão que motivou o grupo de pesquisadores a realizar este estudo foi o reconhecimento de que, apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores mundiais de mel, grande parte do que é produzido não tem características ideais para exportação, o que diminui seu valor comercial. Uma solução é transformá-lo em produtos de maior valor agregado, e o hidromel é um deles. Para a bebida proposta pelos pesquisadores, está sendo sugerido o uso dos méis que costumam não ter aceitação in natura, porque fogem ao padrão de consumo.
Na avaliação da professora Monique, estudar um fermento para essa bebida tem sido uma oportunidade ímpar de pesquisa não só pela falta de informação disponível, mas também pelo fato de que, no mercado, há muito fermento para cerveja e vinho, a maioria importada. O desejo é que o fermento originado das pesquisas desenvolvidas na UFV seja utilizado por produtores nacionais e a baixo custo. Por enquanto, ele ainda não está disponível, uma vez que aguarda um registro no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que deverá sair assim que o sistema for implementado pelo governo federal. Os pesquisadores ainda estão estudando se o fornecimento dele acontecerá dentro do Departamento de Tecnologia de Alimentos ou por transferência da tecnologia. A primeira opção agrada mais à professora por considerar que “garantiria um menor custo ao produtor”.
Mesmo sem a distribuição do fermento, o hidromel já está sendo produzido em locais onde não havia. “Estamos com um Trabalho de Conclusão de Curso em um apiário na cidade de Passa Quatro (MG) e fizemos uma consultoria na Serra do Caraça (MG), que está produzindo e comercializando hidromel com fermentos para vinho e champanhe”, conta a coordenadora da pesquisa. Recentemente, entrou-se com um processo para conceder o direito de que as leveduras selecionadas pela equipe sejam estudadas também no Instituto Federal do Ceará, difundindo a linha de pesquisa. Por essas razões, Monique Eller considera que um dos objetivos dos pesquisadores – a disseminação da produção de hidromel – já está sendo alcançado com êxito. Para percorrer o caminho até aqui, ela destaca o apoio recebido pela Funarbe, “a primeira a acreditar no projeto”, Fapemig, Capes e CNPq. Mas ressalta também o desejo de novas parcerias, que poderão contribuir para ampliar a cultura de hidroméis no Brasil, produzidos com características específicas e com fermentos típicos. Há o desejo, por exemplo, de se produzir um hidromel derivado de mel de cajueiro, uma árvore brasileira.
Vale destacar que, em março, a equipe de pesquisadores da UFV assinou o capítulo Microorganisms in Honey, no livro Honey Analysis, que pode ser conferido neste link: https://www.intechopen.com/books/honey-analysis/microorganisms-in-honey
Adriana Passos- Fotos: Daniel Sotto Maior
Divulgação Institucional