Pesquisa visa produção de medicamento contra efeitos de vírus transmitidos pelo Aedes aegypti

21 de março de 2016


Concomitantemente às pesquisas que vêm sendo realizadas em todo o mundo para a produção de vacinas contra os vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, também ocorrem estudos para o desenvolvimento de fármacos antivirais. Um deles acontece na UFV e envolve compostos orgânicos sintetizados no laboratório 428 do Departamento de Química – Laboratório de Química Supramolecular e Biomimética. Os estudos coordenados pelo professor Róbson Ricardo Teixeira – coordenador do programa de pós-graduação em Agroquímica – são, inicialmente, contra o vírus da dengue. Mas, pelos resultados que sua equipe vem obtendo, tudo indica que também poderão surtir efeitos contra outros transmitidos pelo Aedes aegypti, inclusive o zika, já considerado uma emergência mundial em saúde pública.

Além do professor Róbson, integram a equipe da pesquisa o professor Sérgio Oliveira de Paula, do Departamento de Biologia Geral, os estudantes de doutorado do Programa de Biologia Celular e Estrutural da UFV Ana Flávia Costa da Silveira Oliveira e André Silva de Oliveira – ambos professores do campus Almenara do Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG) – e a estudante de mestrado do Programa de Pós-graduação em Agroquímica Ana Paula Martins de Souza.

Desde 2014, eles vêm testando compostos naturais, sintetizando-os no laboratório e avaliando-os contra uma protease específica do west nile vírus (ou vírus do Oeste do Nilo), causador da encefalite do Nilo Ocidental. Essa protease, segundo o professor Róbson, tem grande semelhança estrutural com a do vírus da dengue e um papel extremamente importante para a manutenção dele por estar envolvida em um processo de replicação viral. Isso significa que, ao inibir a protease, inibe-se a replicação do vírus.

Róbson conta que a estrutura da protease já foi determinada. O que a equipe está fazendo agora, em colaboração com a professora Rafaela Ferreira, da Universidade Federal de Minas Gerais, e com o professor Daniel Leal, da Universidade Federal do Espírito Santo, é a modelagem molecular. Esse método permite que se observe a orientação preferencial das moléculas quando ligadas entre si para formar um complexo estável. O professor explica: “levando-se em consideração que a estrutura da protease já foi determinada, pega-se as moléculas ativas – já delimitadas em laboratório – e coloca-se os compostos. Isso é desenhado em um estudo chamado in sílico. Coloca-se, portanto, a protease para interagir com as moléculas e saber como acontece essa interação”. As informações obtidas a partir daí vão permitir desenhos de compostos ainda melhores para que se possa avançar na obtenção do antiviral.

Um exemplo do que já foi descoberto nessa observação é que há uma grande homologia entre o material genético do vírus da dengue e do zika. “Se essas moléculas que estamos avaliando interagirem com regiões similares às proteases que também têm nesses outros vírus, aí obteremos uma arma bastante interessante”, prevê o professor Róbson. “Poderá se ter antivirais contra dengue e zika e também contra o west nile vírus, menos falado.”

Róbson ressalta que os ensaios em laboratório de avaliação da atividade dos compostos sobre a protease mostraram que eles são capazes de promover mais de 90% de inibição dela: “um resultado bastante significativo”. E compara: “para se ter uma ideia, há compostos já descritos na literatura com atividades em torno de 50%. Sem revelar os compostos que utiliza na pesquisa, o professor afirma apenas que são naturais e que vêm de uma dicetona.

Outros resultados
Dentre os vários motivos que animam a equipe de pesquisadores da UFV de que estão no caminho certo é o fato de que os compostos são de fácil síntese. Tanto é assim que ela é realizada no laboratório 428 apenas pela estudante Ana Paula de Sousa. A síntese é feita em uma única etapa sem o uso de solventes tóxicos. Ela acontece em água, com aquecimento razoavelmente brando.

Outro resultado importante revelado pelos testes é o de que, pelo menos por enquanto, os compostos não são muito tóxicos. A constatação definitiva virá a partir de outras pesquisas sobre grau de toxicidade, envolvendo, por exemplo, testes em animais. Mas a equipe está otimista de que esse aspecto não terá alterações.

Todos os avanços registrados pelos pesquisadores aconteceram em 2015. Levando-se em conta que o desenvolvimento de uma droga se dá no período de 10 a 12 anos, o resultado obtido pela equipe em apenas um ano é bastante promissor na avaliação de Róbson. Ele reconhece que serão necessários muitos outros testes e que os passos até a obtenção do antiviral não são simples. Além disso, destaca que “a equipe precisa de uma coisa que está muito em falta hoje em dia: dinheiro”. Tudo isso, no entanto, não os impedirá de criar uma patente. “Se alguma empresa tiver interesse, estamos aí para colocar a pesquisa para frente. Meu sonho é ter um fármaco novo no mercado, com preço acessível e que todos possam se beneficiar”.

O professor enfatiza que as pesquisas são preliminares: “são estudos de laboratório. Nós vamos fazer a avaliação contra o próprio vírus. Mas o que nós temos até agora é bastante animador”.

Perfil
A escolha pelo professor Róbson de compostos naturais para a sua pesquisa é, na verdade, a continuidade de uma história que começou durante seu mestrado em Agroquímica na UFV, no qual se dedicou à química de produtos naturais. Em sua opinião, a solução para grande número dos problemas de saúde está na natureza: “não tenho a menor dúvida disso”. É com esta convicção que, no laboratório 428, ele tenta modificar substâncias naturais para obter outras que possam ser potencialmente úteis para a humanidade.

Além das pesquisas com dicetona contra os vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, o professor também se dedica a estudos de substâncias, como o eugenol, presente, por exemplo, no cravo da índia. As modificações desse composto geraram uma molécula que vem apresentando uma atividade muito interessante, segundo ele, contra a leishmaniose, doença infecciosa, causada por parasitas do gênero Leishmania. Esses estudos estão sendo conduzidos em colaboração com a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Outra pesquisa envolve o ácido cinâmico, encontrado, por exemplo, no óleo de canela. Como já se sabe que esta substância tem diversas propriedades de ação contra o câncer, Róbson tem trabalhado em modificações do ácido, tentando potencializá-lo ainda mais para melhorar seu efeito. A pesquisa vem sendo realizada em conjunto com o professor Gustavo Costa Bressan, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV, e já obteve resultados importantes que, em breve, serão publicados. 

A interação do professor Róbson com pesquisadores de outras universidades e departamentos da UFV reflete a sua crença de que a interdisciplinaridade é fundamental: “se você achar que, como pesquisador, consegue fazer tudo, está fadado ao fracasso”.  O professor, que se graduou em Química pela UFV em 1988, se orgulha em dizer que deve muito à Universidade pelo que é: “amo muito esta instituição e brigo por ela. Quero contribuir para colocá-la sempre no topo”.

Na foto, um registro da equipe. Da esq. para dir., os professores Róbson e Sérgio, o doutorando André, a mestranda Ana Paula e a estudante de doutorado Ana Flávia.

(Adriana Passos)

Da esq. para dir., os professores Róbson e Sérgio, o doutorando André, a mestranda Ana Paula e a estudante de doutorado Ana Flávia

Da esq. para dir., os professores Róbson e Sérgio, o doutorando André, a mestranda Ana Paula e a estudante de doutorado Ana Flávia