Pesquisa identifica determinantes da violência doméstica contra a mulher no Brasil

10 de outubro de 2017


Uma pesquisa divulgada, em 2013, pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) comprovou que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Enquanto, em 2012, a taxa média de homicídios mundial era de 6,2 por 100 mil habitantes, no Brasil, ela alcançou o patamar de 26,52. O mesmo estudo revelou que a taxa de homicídios entre homens é quatro vezes maior do que entre mulheres. Porém, enquanto os homens são geralmente mortos por indivíduos com os quais não mantêm vínculos, mais de 50% dos homicídios femininos são causados por homens com quem as mulheres se relacionam, especialmente no âmbito familiar. É nesse espaço que se configura a violência doméstica, identificada pela Lei Maria da Penha, dentre outros comportamentos, pelo sofrimento psicológico, constrangimento, vigilância constante e insulto.

Mas quais seriam os fatores responsáveis pela vitimização doméstica das mulheres no Brasil? Foi em busca desta e de outras respostas que Jayne Cecília Martins conduziu sua pesquisa no mestrado realizado no programa de pós-graduação em Economia Aplicada da UFV. Ali, sob orientação do professor Evandro Camargos Teixeira (Departamento de Economia), ela defendeu, em julho, a dissertação Determinantes da violência doméstica contra a mulher no Brasil. O objetivo foi analisar a relação existente entre a probabilidade de a mulher ser vitimada com os fatores individuais e o contexto social em que está inserida.

No estudo, de abrangência nacional, Jayne Martins trabalhou com a base da dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – publicada, em 2009, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Especificamente naquele ano, foi aplicado um questionário sobre vitimização para 108.974 mulheres de todos os estados brasileiros. A intenção era saber, dentre outras informações, se elas haviam sido vítimas de agressão física, por quem e onde e se fez boletim de ocorrência. Das entrevistadas, 43,1% sofreram violência em sua própria residência, e de todas as agredidas no país – dentro e fora de casa – 25,9% se disseram vítimas de seus atuais ou ex-cônjuges.

Jayne Martins trabalhou ainda com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), também publicada pelo IBGE em 2009, que traz informações sobre delegacias, defensorias, casas de abrigo e centros de referências da mulher existentes nos municípios. Para o cruzamento dos dados, a pesquisadora estimou o que ela chamou de “modelo hierárquico logístico em dois níveis”. Para o primeiro nível, ela considerou as características individuais e familiares da mulher, como nível de instrução, rendimentos, empregabilidade, estado civil e número de filhos. Para o segundo, Jayne analisou as características do ambiente social em que as mulheres estão inseridas. Esse último aspecto, segundo a pesquisadora, confere um ineditismo ao seu trabalho, uma vez que nenhum outro considerou os mecanismos de proteção contra a mulher como caracterização do ambiente social.

Alguns resultados
Dentre os resultados obtidos, a pesquisa constatou que a existência de filhos e o estado civil das mulheres foram os aspectos que mais positivamente se relacionaram com a probabilidade de vitimização. O fato de a mulher ter filhos aumenta 19,42 pontos percentuais (p.p) essa probabilidade. A explicação, de acordo com Jayne, está no fato de que eles reduzem a chance de a mulher denunciar a violência, tornando-a reincidente. Na avaliação da pesquisadora, isso acontece porque, “às vezes, a mulher tem consciência de que deve denunciar, mas não o faz porque não terá como sobreviver. Afinal, como sair de casa se não tem uma profissão e nem como se manter sozinha e cuidar dos filhos?”. Quanto ao estado civil, a pesquisa revelou, de acordo com os dados da PNAD, que as mulheres separadas/divorciadas têm maior probabilidade de sofrerem violência – seguidas das solteiras -, e também de denunciarem, o que as casadas fazem menos. A pesquisa verificou ainda que a probabilidade de vitimização diminui quando o marido trabalha (redução de 2,0061 p.p.) e quando a mulher tem maior escolaridade (redução de 0,05 p.p).

Em relação ao ambiente social, os índices de defesa e apoio às vítimas foram estatisticamente significativos, apresentando relação positiva com a probabilidade de a mulher ser vitimada. Esta correlação positiva pode ser interpretada, conforme a pesquisadora, como uma redução no custo de denúncia da vítima. Com a existência e o funcionamento das redes de apoio, as mulheres se sentem mais seguras em denunciar seus agressores. Além disso, como a violência doméstica gera insegurança dentro do lar da vítima, a presença de mecanismos de apoio à mulher próximos às suas residências possibilitam a saída dela de casa. Quanto maior a quantidade de delegacias, defensorias, casas de abrigo e centros de referência nos estados, menores são os custos sociais de denúncia para a vítima e maior será a probabilidade de que a violência seja denunciada.

Para o professor Evandro Teixeira, orientador da pesquisa, o trabalho de Jayne denota um aspecto importante relacionado ao custo da violência: a perda de capital humano. Ele lembra que a violência gera diversos custos, que vão da segurança pública à queda de receita pelo governo com turismo, por exemplo. No entanto, pouco se reflete sobre a contribuição que as mulheres vitimadas poderiam dar ao processo de crescimento econômico do país. O capital humano, conforme o professor, pode ser definido como atributos ou competências para a realização de atividades laborais, podendo ser representado pelo nível de educação, estado de saúde e habilidade inata. Além da mulher vitimada, as pessoas que estão em seu entorno, como os filhos, também sofrem severas penalizações. E questiona: “como esperar que uma criança que cresceu em um ambiente violento consiga, no futuro, contribuir com o país em termos de capital humano?

Segundo Jayne, os resultados de sua pesquisa reforçaram o que já é sabido: “a importância de políticas públicas que combatam a violência doméstica”. Uma medida necessária, em sua avaliação, é a ampliação dos mecanismos de combate, já que em grande parte dos municípios não existe órgão de apoio às vítimas. Jayne chama a atenção, contudo, para o fato de que medidas dessa natureza e aumento de custos não serão isoladamente eficazes para se combater a violência doméstica. “É necessário o empoderamento feminino, possibilitando que as mulheres tenham os mesmos direitos, salários e nível de educação que os homens”. Este empoderamento pode ocorrer, em sua opinião, por meio de projetos sociais de capacitação e possibilidade de geração de emprego e renda para as mulheres mais pobres, vítimas ou não da violência.

Adriana Passos
Divulgação Institucional

Na foto, um registro de Jayne (segunda da esq. para dir.) com os professores Cristiana Tristão Rodrigues, Evandro Camargos e Elaine Aparecida Fernandes. As duas professoras do DEE participaram da banca de defesa.

Na foto, um registro de Jayne (segunda da esq. para dir.) com os professores Cristiana Tristão Rodrigues, Evandro Camargos e Elaine Aparecida Fernandes. As duas professoras do DEE participaram da banca de defesa.