12 de julho de 2017
O International Journal for Zoology publicou, na edição de junho, o artigo Taxonomy of Xylographellini (Coleoptera: Ciidae) from the Australian and Oriental regions with descriptions of new species of Scolytocis and Xylographella, que tem como autor e coautor, respectivamente, o doutorando do programa de pós-graduação em Ecologia da UFV Igor de Souza Gonçalves e o professor Cristiano Lopes Andrade, do Departamento de Biologia Animal, do campus Viçosa. O artigo, no qual são descritas duas espécies de besouros de fungos orelhas-de-pau (ciídeos) da Austrália e uma das Ilhas Carolinas, revela a interação que o Laboratório de Sistemática e Biologia de Coleoptera (LabCol), coordenado pelo professor Cristiano, vem mantendo com pesquisadores de diferentes países.
No caso das espécies australianas descritas, elas completarão a revisão que o pesquisador John Francis Lawrence está fazendo da fauna de ciídeos para a edição do segundo volume do livroAustralian Beetles. Para o estudo do Igor, orientado pelo professor Cristiano, Lawrence enviou ao laboratório da UFV cerca de cinco mil exemplares coletados por ele e outros pesquisadores ao longo de mais de 60 anos de pesquisa, para que pudessem ser comparados aos de outras faunas. No primeiro volume do livro e no artigo com a revisão preliminar dos ciídeos australianos, publicados, respectivamente, em 2013 e 2016, Lawrence já tinha citado trabalhos realizados no laboratório deColeoptera da UFV e destacado a qualidade deles.
Antes dos besouros enviados pelo pesquisador australiano já haviam chegado outros ao laboratório, que funciona no segundo andar do Anexo do CCB II, desde 2015. De museus da Europa, Austrália e África vieram coleções equivalentes a 100 anos de coletas. Somente do South African National Collection of Insects, da África do Sul, o presente foram quatro mil ciídeos coletados em 10 anos por três pesquisadores. Todas essas doações representam, na avaliação do professor Cristiano, o reconhecimento da seriedade com que sua equipe vem conduzindo o trabalho. Além disso, contribuem para o crescimento de uma coleção científica que, na última contagem feita pelo professor, somava 40 mil besouros montados e mais de 400 mil guardados em álcool.
Por enquanto, são 240 gavetas (foto abaixo) que armazenam espécies de diferentes países, idades, tamanhos, formatos e cores. Tem besouro de 1786. O menor é um ptiliídeo de 0,3 milímetro, quase imperceptível a olho nu, e o maior é um besouro serra-pau de 12,5 centímetros. Coleção de cíideos com mais exemplares do que a do Laboratório de Sistemática e Biologia de Coleoptera só a do Australian National Insect Collection, supõe Cristiano. Para cuidar de tudo, apenas a equipe, atualmente composta pela estudante de graduação Patrícia Rocha Macêdo, os mestrandos Artur Orsetti Silva Araújo e Paula Vieira Borlini, os doutorandos Igor de Souza Gonçalves, Ítalo Salvatore de Castro Pecci Maddalena e Sergio Zucateli Aloquio Junior e os professores Cristiano Lopes Andrade (UFV-Viçosa) e Lucimar Soares de Araujo (UFV-Rio Paranaíba). A falta de técnicos especialistas no assunto impede, dentre outras ações, que a coleção seja aberta ao público.
Especialidade
A rede de cooperação que o professor Cristiano faz questão de manter com pesquisadores estrangeiros reflete o seu entendimento de que não se consegue compreender a separação das espécies e sua história evolutiva olhando-se apenas para a fauna de um país. No caso da família de besouros Ciidae, da qual é especialista, há indícios de que ela exista há mais de 150 milhões de anos e sempre associada a fungos. “Como esses besouros têm uma história, a gente consegue estudar e desvendar um pouco dela. Não conseguimos reconstruí-la totalmente, porque não temos fóssil para isso; muitas espécies já foram extintas. Mas há uma história em comum; existe um antepassado que liga uma espécie brasileira com uma africana, por exemplo”, explica. O estudo da história evolutiva, segundo o professor, permite entender melhor os padrões encontrados nas espécies atuais e, até mesmo, realizar algum tipo de aplicação.
Os ciídeos estudados pela equipe são besouros que vivem exclusivamente em fungos orelhas-de-pau, alguns são bastante tóxicos, geralmente encontrados em árvores mortas. O professor conta que poucos animais conseguem se alimentar desses fungos, que roubam nutrientes do solo e dos troncos onde crescem. Os ciídeos não só comem esses fungos como os defecam modificados, sem que se mantenham tóxicos para o ambiente. Eles fazem, portanto, a ciclagem de nutrientes e, com isso, tornam vários nutrientes acessíveis para o restante do ecossistema.
Apesar da importância ambiental que têm, poucas pessoas se dedicaram – e ainda se dedicam – ao estudo de ciídeos. O fato de serem muito pequenos (de 0,5 a 7 milímetros) e, consequentemente, difíceis de serem manipulados, é uma das explicações para isso. Em todo o mundo há 51 gêneros e pouco mais de 700 espécies de ciídeos descritas. Dessas, 61 foram de autoria do professor Cristiano e colaboradores, que também descreveram três gêneros. Ele também é responsável pela descrição de 9 gêneros e 17 espécies de outras famílias de insetos. Todas essas espécies abrangem a fauna de 35 países. Vale destacar que a maioria dos trabalhos vem sendo realizada desde 2008, quando Cristiano ingressou como professor na UFV, onde também cursou mestrado e doutorado.
Interação
No LabCol, a equipe estuda a taxonomia e a ecologia de besouros que vivem em fungos, como ciídeos, erotilídeos e tenebrionídeos, para avaliar, por exemplo, o quanto degradam do fungo e o quanto retornam para o ecossistema. Mas a equipe também pesquisa espécies de besouros com outros hábitos, como os predadores da família Carabidae, de grande importância nos ecossistemas terrestres por regularem populações de outros organismos. Os carabídeos brasileiros têm sido pouco estudados nos últimos 40 anos, devido à morte, na década de 1970, de seu último especialista residente no Brasil. O desejo do professor Cristiano é reduzir as lacunas de informação geradas pela falta de taxonomistas de besouros no Brasil e no mundo. Por isso, além do trabalho de descrição, a equipe que passa pelo LabCol também contribui redescrevendo espécies e revisando faunas de besouros.
As ações são realizadas em conjunto com pesquisadores de países como Alemanha, Austrália, Canadá, Finlândia e Nova Zelândia. Graças a essa parceria, muitos estudantes do laboratório já fizeram estudos dentro e fora do Brasil. Recentemente, o doutorando Ítalo Pecci Maddalena recebeu uma bolsa da Universidade de Harvard para visitar coleções de besouros em museus da Europa. Ele trabalha com revisão de um gênero (Mycotretus) de besouros erotilídeos que ocorre somente nas América do Sul e Central. Outro doutorando, o Sergio Aloquio, está revisando um conjunto de gêneros de besouros tenebrionídeos dos trópicos e subtrópicos e se preparando para uma visita técnica a museus europeus.
Na avaliação do professor Cristiano, como as pesquisas com besouros que comem fungos estão começando no Brasil e, portanto, há poucos pesquisadores, trabalhar com faunas de outros países ajuda a alavancar os estudos e a valorizar o trabalho que é feito. Em sua opinião, “quando começa a se olhar para fora do quintal e sair da zona de conforto é que se vê que tem muito mais coisa para colher na ciência”. Cristiano não desmerece quem trabalha com a fauna brasileira, apenas considera que são objetivos diferentes. “Tem pessoas que se dedicam exclusivamente à fauna do Brasil e fazem trabalhos fantásticos”. Mas, para ele, é importante que uma universidade mostre que é referência em estudos de organismos de qualquer lugar do mundo. “Com os ciídeos, o LabCol conseguiu ser essa referência”, comenta. “É claro que sem a colaboração de pesquisadores do exterior, não teríamos como trabalhar com todo o material que temos. A Universidade ganha quando ela se abre. Tem vários setores da UFV que mantêm interações muito fortes com o exterior. Eu vejo que o laboratório, os estudantes e eu ganhamos muito com isso”.
De acordo com o professor Cristiano, o Brasil tem 110 famílias de besouros e apenas 20 delas contam com especialistas ativos. “Há, portanto, 90 famílias, uma quantidade absurda de bichos com interesses para diferentes áreas, sem especialistas no país”, ressalta. E revela: “eu queria formar especialistas em mais famílias”. Enquanto isso não acontece, o professor vai agregando os pesquisadores da área em iniciativas que incluem, por exemplo, o grupo de estudos – liderado por ele, com apoio do CNPq – sobre besouros detritívoros e micetócolos. A paixão pelos besouros, ele explica com a frase: “não tem nada mais diverso na face da Terra”. E ilustra: “só de espécies descritas, temos em torno de 400 mil. Somente a família Staphylinidae tem 60 mil espécies descritas, número equivalente a todos as espécies de vertebrados da Terra juntos”. Isso, segundo ele, significa ver coisa nova todos os dias. “Não é de vez em quando, é sempre”, afirma. “Se eu largasse a universidade hoje, besouro seria um hobby”.
Adriana Passos
Divulgação Institucional