11 de abril de 2018
05/04/2018
O agro é tech, o agro é pop, mas pode deixar de ser tudo para a balança comercial brasileira nos próximos 20 ou 30 anos. Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Viçosa acende o sinal de alerta para o futuro das duplas safras no cerrado e, principalmente, na região conhecida como MATOPIBA, a mais recente fronteira agrícola do Brasil.
O agronegócio brasileiro deve seu sucesso às pesquisas que permitiram que a soja ocupasse a região central do país a partir da década de 1970. Além da eficiente fertilização de um solo pobre, ácido e velho para a agricultura, tecnologias de melhoramento genético criaram variedades adaptadas ao bioma cerrado. Um dos grandes desafios tecnológicos foi vencer a barreira do fotoperíodo, já que soja não podia ser plantada em baixas latitudes porque precisava de dias mais longos para crescer. Até a década de 1990 era impensável cultivar grãos em escala comercial próximo à linha do Equador. Com as variedades adaptadas geneticamente, em menos de duas décadas os plantios chegaram ao nordeste e ao norte do país. Esta nova fronteira agrícola é conhecida como MATOPIBA por abranger nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia.
A tecnologia agrícola mudou também o conceito de que a natureza dita a hora certa para plantar e colher. A independência do fotoperíodo permitiu que a soja fosse plantada mais cedo e que, depois da colheita, se produzisse outras culturas como milho e algodão, num mesmo ano. A produtividade anual foi às alturas e o Brasil tornou-se referência mundial em duplas safras. Um exemplo disso é que, desde o início desta década, a produção de milho safrinha, como é chamado o produto plantado depois da soja, representa mais da metade das 40 milhões de toneladas produzidas no país. Um negócio que movimenta em torno de 23 bilhões/ano e não para de crescer porque ainda há muito espaço para ampliação da dupla safra, inclusive no MATOPIBA. Segundo os especialistas, além de melhorar muito o rendimento das fazendas, a dupla safra protege o solo, mantém a mão de obra empregada por mais tempo e, por produzir mais numa mesma área, evita a pressão por expandir as fronteiras agrícolas para áreas de proteção ambiental na Amazônia.
Mas ainda há outro fator limitante para o progresso do agronegócio no Brasil: a dependência das chuvas que, com as mudanças climáticas, começam cada vez mais tarde e acabam mais cedo, aumentando a dependência da irrigação. E este é problema que tende a se agravar.
A pesquisa
Mapear as contribuições das tecnologias na evolução do agronegócio da soja no Brasil é apenas umas das contribuições da pesquisa realizada no Grupo de pesquisa em Interação Atmosfera/ Biosfera do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV. “Desenvolvemos estimativas históricas de calendários de plantios de soja para safras únicas e duplas desde 1974, combinando os dois fatores mais limitantes para o plantio, a estação chuvosa e o comprimento do dia”, afirma o autor da pesquisa, Gabriel Medeiros Abrahão. O pesquisador também cruzou dados da produção com as expectativas das mudanças climáticas nos próximos anos para concluir que dificilmente será possível continuar expandindo as duplas safras nos próximos 20 ou 30 anos. Para o orientador do trabalho, Marcos Heil Costa, o conjunto de dados resultantes fornece informações espaciais e temporais inéditas sobre o cultivo de soja no Brasil.
Gabriel Abrahão explica que foram aplicados os mesmos métodos às estimativas futuras do clima para investigar uma possível contração na área com potencial de cultivo duplo com as mudanças na estação chuvosa. Para ele, os dados mostram que, se forem usadas as atuais variedades de soja, as mudanças climáticas ameaçam reduzir 17% da área onde é possível plantar duas safras no Brasil central e 60% na região do Matopiba.
A pesquisa avalia ainda que prováveis novas variedades de soja e milho de ciclo mais curto poderiam reduzir o impacto da redução das chuvas para 4% no Mato Grosso e para 7% nas demais regiões do centro-oeste, mas não seriam eficientes no Matopiba que perderia, pelo menos, 30% do potencial de dupla safra. “A irrigação terá um papel importante na compensação destes impactos, mas as limitações de infra-estrutura e de recursos hídricos tornam essa solução improvável para a região toda. As perspectivas para a ampliação da dupla safra no Matopiba não são otimistas nos prováveis cenários das mudanças climáticas”, disse Gabriel
Para o professor Marcos Heil, a redução da duração das chuvas já é uma realidade observável nas regiões estudadas e será maior se houver ainda mais desmatamento na Amazônia. “Se em 20 ou 30 anos a dupla safra for inviável em determinada região, é possível que produtores que atualmente já ocupam a fronteira agrícola migrem ainda mais para o norte onde a estação chuvosa é mais longa. Isso significa avançar sobre a floresta amazônica e até mesmo sobre áreas remanescentes do cerrado. E nós já sabemos que o desmatamento agrava ainda mais a escassez de chuvas em outras regiões. É um ciclo indesejável”.
Para os pesquisadores da UFV, os resultados da pesquisa que originou a dissertação de mestrado de Gabriel Abrahão, extrapolam as tendências já conhecidas das mudanças do clima. “Estamos antecipando um problema para não sermos pegos de surpresa como aconteceu na década de 1980 quando o país custou a perceber a evolução do desmatamento na Amazônia”, afirma Marcos Heil Costa. Gabriel Abrahão espera que os resultados do trabalho colaborem para o monitoramento da dupla safra em agricultura de sequeiro e tenha consequências para a conservação do meio ambiente no Brasil.
O artigo “Evolution of rain and photoperiod limitations on the soybean growing season in Brazil: The rise (and possible fall) of double-cropping systems está publicado na Revista Agricultural and Forest Meteorology” . O banco de dados da evolução de épocas de plantio ao longo do tempo pode ser consultado no site do Grupo de pesquisa.
A pesquisa contou com o apoio do CNPq.
Divulgação Institucional
Fotografia de capa: Luiz Henrique Magnante (Embrapa)
Foto dos pesquisadores: Daniel Sotto Maior.
Veja notícia no site da UFV