Nova espécie de sapo descrita por pesquisadores da UFV traz referência a grupo de rock

17 de maio de 2017


A descoberta de uma nova espécie de sapo na Serra do Brigadeiro (MG) demonstra que o rock’n roll também pode ser fonte inspiradora para a ciência. O inédito Brachycephalusdarkside, apresentado este mês ao mundo científico, traz em seu nome uma referência ao álbum lançado nos anos 1970 pela banda britânica Pink Floyd, que ainda costuma embalar o descanso dos pesquisadores responsáveis pela descoberta.

O nome se deve à presença de um tecido conjuntivo preto que cobre todos os músculos dorsais do sapo, o que confere a ele um diferencial em relação a outros Brachycephalus, um gênero endêmico da Floresta Atlântica brasileira. Se não fosse por essa descoberta que levou a outras, os pesquisadores continuariam considerando que a nova espécie, há algum tempo depositada no Museu de Zoologia João Moojen da UFV (MZUFV), se tratava do sapinho pingo-de-ouro, o Brachycephalus ephippium, já conhecido pela ciência. Espécies desse gênero vivem nas regiões Sul e Sudeste e chamam a atenção por sua coloração aposemática (de alerta) amarelo-laranja brilhante e alto grau de miniaturização. Esses sapos são considerados um dos menores vertebrados do mundo.

A identificação do Brachycephalus darkside sp. nov foi resultado de uma pesquisa conduzida por Carla Silva Guimarães, durante seu mestrado – concluído em 2016, no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, sob orientação do professor Renato Neves Feio. Carla, que também se graduou em Ciências Biológicas na UFV, conta que, durante o mestrado, optou por “resolver problemas taxonômicos de anfíbios da Serra do Brigadeiro que ainda não tinham uma identidade específica”. O “sapinho dourado”, que era um deles, acabou se tornando o protagonista da pesquisa pelas novidades que revelou.

Por meio da observação externa dos espécimes fixados na coleção do MZUFV, os pesquisadores perceberam uma musculatura interna muito escura no sapinho, jamais observada e descrita em outras espécies. A partir dessa descoberta, Carla iniciou uma série de expedições à Serra do Brigadeiro, para compreender melhor o comportamento e o ciclo de vida do animal. Cada descoberta aumentava a curiosidade e a certeza de que se tratava de uma nova espécie, com várias peculiaridades, que iam além do tecido escuro. Elas passavam também por hábitos, como o de ficar escondido nas camadas de folhas no solo, enterrado em raízes subterrâneas, e ser diurno – diferentemente da maioria dos anfíbios que costuma ser mais ativa à noite.

Para a confirmação da nova espécie, foi preciso ainda realizar comparações com coleções científicas do país. Carla visitou as do Museu Nacional do Rio de Janeiro, da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. O resultado de toda a pesquisa, que durou cerca de dois anos, foi apresentado na revista neozelandesa ZooTaxa, no artigo The dark side of pumpkin toadlet: a new species of Brachycephalus (Anura: Brachycephalidae) from Serra do Brigadeiro, southeastern Brazil. Carla assina como primeira autora do trabalho, do qual também participam o professor Renato Neves Feio e os estudantes Pedro Carvalho Rocha (mestrado) e Sofia Luz (graduação).

Apesar de o estudo não trazer uma análise molecular do novo Brachycephalusexigido atualmente na maioria das pesquisas que diferenciam novas espécies –, ele foi muito bem aceito pela comunidade científica, segundo Renato Feio, e bastante elogiado pelo grande número de características identificadas: “levantamos diversos aspectos de morfologia, osteologia, histologia e vocalização, que embasaram muito bem a nossa proposta”. O estudo molecular, conforme o professor, será realizado em uma nova etapa por meio de uma parceria com pesquisadores da Unesp.

Desdobramentos
O novo Brachycephalus é a sexta descoberta feita na Serra do Brigadeiro por pesquisadores orientados por Renato Feio e se soma às mais de 50 espécies que já catalogaram ali – um número alto, segundo o professor, para apenas uma região. Embora o trabalho realizado por ele e seus estudantes seja basicamente o da busca por novas espécies de anfíbios e répteis nas matas – o que a ciência chama de Método de Procura Ativa – e sua descrição, uma descoberta dessa natureza pode abrir importantes perspectivas para outras áreas, como a farmacologia, em função das toxinas que o sapo tem na pele. Contudo, independentemente de aplicabilidade, o grande ganho, na concepção de Renato Feio, é entender melhor uma espécie e estudar algumas questões relacionadas à conservação. “A Serra do Brigadeiro está servindo de proteção para este bicho. É mais uma espécie que valoriza ainda mais o local e é sempre bom aumentar a diversidade; colocar algo a mais sob nossa visão. A homogeneização e a simplificação são tristes. Já a diversificação é superbem-vinda”, avalia o professor.

Carla Guimarães compartilha da opinião do professor lembrando que “a preservação da natureza, tão desejada e falada pelas pessoas, significa manter o meio ambiente equilibrado, com tudo funcionando bem”. O primeiro passo para isso, em sua opinião, é conhecer a fauna e a flora, para que se possam desenvolver formas de protegê-las. “Quanto mais se descobre, mais chance se tem de fazer uma prospecção daquilo. Só se pode preservar o que se conhece”, complementa.

A ex-estudante de mestrado da UFV considera a publicação do artigo em uma revista internacional como o maior retorno que poderia obter: “é o reconhecimento de um trabalho bem feito”. Ela brinca, com orgulho, sobre o fato de ter o sobrenome Silva Guimarães eternizado na história da ciência. Seus planos agora são o doutorado para dar continuidade ao estudo com o Brachycephalus darkside sp. nov e trazer respostas sobre o pigmento que deixa preto o seu tecido conjuntivo, já que não se sabe a origem química e a função dele e porque outras espécies do mesmo gênero não dispõem desta característica. Ela reconhece que “tem muito a ser pesquisado”.

Sobre a homenagem ao Pink Floyd, Carla considera que os pesquisadores conseguiram combinar a descoberta da nova espécie com algo que não fosse apenas ideológico, uma vez que a espécie tem mesmo um lado negro. Em sua avaliação, o nome é muito importante para divulgar o local de pesquisa e o grupo de pesquisadores. O seu principal objetivo agora é divulgar e promover o Museu de Zoologia e o Departamento de Biologia Animal da UFV para que mais pessoas trabalhem em prol dessa ciência que tanto gostam. De acordo com Feio, que também é o curador do Museu de Zoologia, a pesquisa é mais uma indicação de que a linha de taxonomia está consolidada na UFV. Ele destaca que “trabalhos com esse estimulam os outros alunos, que veem a possibilidade concreta de fazerem a descrição de um animal novo”, o que, para o professor, “é quase como brincar de Deus ou de Charles Darwin”.

Vale destacar que a pesquisa contou com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Adriana Passos
Divulgação Institucional

O nome Brachycephalus darkside foi uma homenagem ao álbum da banda Pink Floyd

O nome Brachycephalus darkside foi uma homenagem ao álbum da banda Pink Floyd